Em 1981, ganhei de meus pais um brinquedo azul e
branco, com rodas feitas do mesmo material dos cabos de panelas de pressão, da
marca Bandeirantes, a mesma que fazia os tradicionais velocípedes de
crianças.....
Este brinquedo era um "skate" e desde lá
minha vida mudou, deixei de ser uma criança "normal" e virei um
"louquinho da turma". O carrinho foi evoluindo, skates largos foram
surgindo e eu, obviamente, ganhava um destes de meus pais a cada Natal, quando a grana dava....
Para minha sorte nasci no Vale do
Paraíba, importante berço de grandes skatistas e palco dos maiores e melhores
campeonatos que o Brasil tinha na época, tive oportunidade de andar com gente
de todos lugares, em uma pista que até hoje é uma referencia de perfeição para
nós no Brasil.
Os campeonatos brasileiros que aconteciam
a cidade de Guaratinguetá eram iguais a shows de rock. Idolos, arquibancadas
lotadas, pipoqueiro na porta, gente bonita (e feia também), musicas
perfeitas......enfim, eventos fantásticos.
Corri muitos campeonatos como iniciante e
depois que cresci participei de alguns como amador, mas sempre fiquei em dúvida
sobre uma categoria acima, os "semi-profissionais". Quem competia
nela era a nata do carrinho. Aéreos altos e contorcidos, manobras gigantes de
borda, inverts, etc etc... Uau! Uma volta no tempo, para uma época, que como
diz um amigo: nós não éramos felizes e sabíamos! (Isso em relação aos materiais
que usávamos) :-)
Mas afinal, voltando, o que eram os
semi-pros? Eram skatistas que tinham grandes patrocínios, modelo de tábua de
skate (deck) assinado, roupas, equipamentos e formavam equipes de grandes
marcas da época. Com a evolução do skate como esporte (fugindo do perfil lifestyle)
a categoria foi deixando de existir e surgiram os profissionais, com um perfil
muito maior de atletas. (Velha discussão no meio skatistico: skatista não é
atleta!)
Muitos dos grandes skatistas que foram
amadores naquela época comigo tornaram-se "profissionais", em
um passe de mágica, a figura dos "semi" foi sumindo dos eventos e a
conquista brasileira de grandes campeonatos pelo mundo profissionalizou o
estilo de vida, virando um, então, esporte.
Como atividade desportiva que é, o skate
foi dividido entre duas vertentes, a do skate lifestyle e o esporte
profissional.
Lembro que pouco antes de entrar na
faculdade, época em que já não andava tanto, optei pelo estilo "just for
fun" e vi que muitos amigos estavam em um nível tão profissional que
tiveram que se mudar para os EUA, e lá ficaram e cresceram.
As crises empresariais, decorrentes de
planos de governos também incentivaram esta fuga para um mundo melhor, para o
sonho americano e, lógico, para andar e crescer junto aos melhores skaters de
todos os tempos.
O skate, desde a década de 90 atingiu
níveis de competitividade absurdos e a mídia, por sua vez, viu um nicho
interessante de divulgação de suas marcas.
Grandes corporações passaram a investir
nos skatistas, que se viram obrigados a seguir certas regras de marketing e
suas imagens passaram a ser usada, além dos eventos de competição e Vice-versa,
chegando até ao universo dos videogames.
Mas por que tantos flips e
varials sobre skate em um texto jurídico?
Bem, toda esta história é para
questionar: skatista profissional é empregado?
Utilizando-se de um jogo mnemônico, usado
por um jurista paulista, amigo e parceiro de classes, com base no que dispõe
o art. 3º da CLT, vejamos a PEPENOS(a):
PE: pessoa física - o empregado é obrigatoriamente pessoa física
PE: pessoalidade - o empregado tem relação "intuitu
personae", ou seja, uma vez contratado o skatista X, este não pode mandar
outro para cumprir seu contrato.
N: não eventualidade - o empregado exerce suas atividades não
eventuais, ou seja, todos os dias que deve trabalhar ele está lá, e não de
forma eventual.
O: onerosidade - simplesmente veja: a mão de obra do empregado
ajuda seu empregador a obter lucro e, por isso, ele recebe alguma
contraprestação financeira?
S: subordinação - trata-se de subordinação jurídica, a qual o
empregado se submete para o fiel cumprimento de suas atividades
(a): alteridade - a
existência de duas pessoas capazes de contratar e sinalagma deste. (Daí deve-se
observar a escada ponteana sobre os planos de existência, validade, eficácia).
Por esta observação simples que traz o
texto celetista, por óbvio que o skatista profissional deve ter direitos
trabalhistas assegurados, mas vamos continuando na análise, para que a visão
não seja apenas celetista e traga outros conceitos legais que aprofundem o
raciocínio.
Uma vez submetido ao status de esporte,
com eventos inclusive subsidiados pelo Min. do Esporte, temos a entender que o
skate, assim como todas outras atividades desportivas, estão submetidas ao
também art. 3º da Lei nº 9.615/98 alterado pela Lei nº 9.981/2000, que assim
descreve o desporto em nosso País, em textual:
Artigo 3º - O desporto pode ser
reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:
I -
...................................................................................
II -
...................................................................................
III -
..................................................................................
Parágrafo Único - O desporto de
rendimento pode ser organizado e praticado:
I - de modo profissional,
caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o
atleta e a entidade de pratica desportiva;
II - de modo não-profissional,
identificado pela liberdade de pratica e pela inexistência de contrato de
trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de
patrocínio. (grifos e destaques nosso)
Identificamos, então, uma lei específica
que deixa clara, para nós do mundo jurídico trabalhista, uma regra dos
contratos de emprego. Uma exceção que muitos advogados e operadores do direito
esquecem: os contratos de emprego de atletas profissionais tem obrigatoriedade de serem escritos.
Desta forma, seja pela CLT, seja pela lei
geral de desportos, todo skatista profissional deve ter seus direitos do art.
7º da CRFB assegurados em sua totalidade.
E por que assegurar estes direitos? Oras,
em que pese o grande crescimento de skatistas nas categorias Old School, a
maciça maioria de profissionais tem uma vida curta como atletas, além de
exercerem uma atividade esportiva de repetitivas lesões. Lembro-me de um
documentário sobre esporte profissional onde o cerne da questão era: não existe
esporte profissional sem dor.
Logo, o recolhimento de INSS
proporcionaria aos skatistas o direito de se aposentarem, além de eventual
afastamento por acidente de trabalho ou por doença, pois lesões graves ou que
afastem os skatistas de suas vida comum são mais comuns do que imaginamos.
Complementar a isso, obviamente, plano
médico e seguro, garantindo a integridade do seu profissional e, por que não,
dos espetáculos que eles proporcionam a grandes emissoras de televisão ou
webcasting?
Da mesma forma o FGTS, que permitiria ao
skatista sobreviver entre um contrato e outro, impedindo rescisões arbitrárias
de contratos, além da figura do seguro-desemprego, assegurando ao mesmo um
período para procurar outro "patrocinio", digo, patrão.
Poderíamos ainda falar sobre direito de
imagem, epi's, etc etc... pois a frase de Franklin, repetida por todos
diretores de televisão ainda é perfeita: "tempo é dinheiro". Na
medida que grandes eventos são transmitidos por grandes emissoras, a figura do
direito de imagem deve ser remunerada, pois o custo de 30 segundos de
propaganda entre uma volta e outra do skatista custa muito caro para ter
prêmios pequenos de menos de R$ 10K, mas isso vem em um novo post para frente.
Skatista profissional é atleta
profissional, precisa ser adequado ao que a lei prevê. Fato e feito.
Que o skate gosta de se manter no
underground e como um lifestyle isso é óbvio, mas na medida em que a expressão
"profissional" se aplica ao skatista, direitos e obrigações surgem
para empregado e empregador.
Tornar-se profissional exige muito mais
do que uma simples declaração de seus patrocinadores, deve-se exigir que um
advogado seja envolvido, assegurando que o contrato seja claro e todos trâmites
legais sejam observados, tais como legitimidade, possibilidade e validade do
mesmo, aplicação da Escada Ponteana em sua totalidade.
E como isso pode vir a tona? Em um futuro,
não muito distante, tenho a certeza que alguns skatistas ou seus representantes
(caso estes sejam incapazes ou se tornarem incapazes por um acidente sem
capacete) buscarem a solução judicial destes problemas, onde, certamente, será
reconhecida a fraudulenta relação de emprego e garantidos todos direitos
decorrentes deste contrato.
E já mando uma importante recomendação aos
operadores do direito e aos skatistas: busquem suas indenizações na Justiça do
Trabalho. Comecem a usar a ferramenta certa!!!
É isso!!! Boas sessions!
╰ɵ────ɵ╯
Skate sempre for fun!
Usem capacete!
Consultem sempre um advogado!
Pesquisem também :
- equipe H-prol carteira de trabalho
- Supersubordinação (Jorge Souto Maior)
- Freeday Shoes Carteira Profissional
- Vida sobre Rodas (filme)
(imperdível)
- Assistam: http://youtu.be/CTeXKHkNqgk
Sobre o autor: Alexandre A. Costa é amigo, advogado, professor, presidente do TJD da Confederação Brasileira de Skate, formado em Ciências Jurídicas e Sociais, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Master of Business Administration em Direito Empresarial, organizador de eventos de skate e skatista desde 1981
Para citar o autor: - Costa, A. A.
Alexandre Alves Costa - Alexandre Birds
Sobre o autor: Alexandre A. Costa é amigo, advogado, professor, presidente do TJD da Confederação Brasileira de Skate, formado em Ciências Jurídicas e Sociais, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Master of Business Administration em Direito Empresarial, organizador de eventos de skate e skatista desde 1981
Para citar o autor: - Costa, A. A.
Alexandre Alves Costa - Alexandre Birds