domingo, 24 de agosto de 2014

SKATISTA PROFISSIONAL É EMPREGADO?


Em 1981, ganhei de meus pais um brinquedo azul e branco, com rodas feitas do mesmo material dos cabos de panelas de pressão, da marca Bandeirantes, a mesma que fazia os tradicionais velocípedes de crianças.....

Este brinquedo era um "skate" e desde lá minha vida mudou, deixei de ser uma criança "normal" e virei um "louquinho da turma". O carrinho foi evoluindo, skates largos foram surgindo e eu, obviamente, ganhava um destes de meus pais a cada Natal, quando a grana dava....

Para minha sorte nasci no Vale do Paraíba, importante berço de grandes skatistas e palco dos maiores e melhores campeonatos que o Brasil tinha na época, tive oportunidade de andar com gente de todos lugares, em uma pista que até hoje é uma referencia de perfeição para nós no Brasil.
Os campeonatos brasileiros que aconteciam a cidade de Guaratinguetá eram iguais a shows de rock. Idolos, arquibancadas lotadas, pipoqueiro na porta, gente bonita (e feia também), musicas perfeitas......enfim, eventos fantásticos. 
Corri muitos campeonatos como iniciante e depois que cresci participei de alguns como amador, mas sempre fiquei em dúvida sobre uma categoria acima, os "semi-profissionais". Quem competia nela era a nata do carrinho. Aéreos altos e contorcidos, manobras gigantes de borda, inverts, etc etc... Uau! Uma volta no tempo, para uma época, que como diz um amigo: nós não éramos felizes e sabíamos! (Isso em relação aos materiais que usávamos) :-)
Mas afinal, voltando, o que eram os semi-pros? Eram skatistas que tinham grandes patrocínios, modelo de tábua de skate  (deck) assinado, roupas, equipamentos e formavam equipes de grandes marcas da época. Com a evolução do skate como esporte (fugindo do perfil lifestyle) a categoria foi deixando de existir e surgiram os profissionais, com um perfil muito maior de atletas. (Velha discussão no meio skatistico: skatista não é atleta!)
Muitos dos grandes skatistas que foram amadores naquela época  comigo tornaram-se "profissionais", em um passe de mágica, a figura dos "semi" foi sumindo dos eventos e a conquista brasileira de grandes campeonatos pelo mundo profissionalizou o estilo de vida, virando um, então, esporte.
Como atividade desportiva que é, o skate foi dividido entre duas vertentes, a do skate lifestyle e o esporte profissional.
Lembro que pouco antes de entrar na faculdade, época em que já não andava tanto, optei pelo estilo "just for fun" e vi que muitos amigos estavam em um nível tão profissional que tiveram que se mudar para os EUA, e lá ficaram e cresceram.
As crises empresariais, decorrentes de planos de governos também incentivaram esta fuga para um mundo melhor, para o sonho americano e, lógico, para andar e crescer junto aos melhores skaters de todos os tempos.
O skate, desde a década de 90 atingiu níveis de competitividade absurdos e a mídia, por sua vez, viu um nicho interessante de divulgação de suas marcas.
Grandes corporações passaram a investir nos skatistas, que se viram obrigados a seguir certas regras de marketing e suas imagens passaram a ser usada, além dos eventos de competição e Vice-versa, chegando até ao universo dos videogames.
Mas por que tantos flips e varials sobre skate em um texto jurídico?
Bem, toda esta história é para questionar: skatista profissional é empregado?
Utilizando-se de um jogo mnemônico, usado por um jurista paulista, amigo e parceiro de classes, com base no que dispõe o art. 3º da CLT, vejamos a PEPENOS(a):
PE: pessoa física - o empregado é obrigatoriamente pessoa física
PE: pessoalidade - o empregado tem relação "intuitu personae", ou seja, uma vez contratado o skatista X, este não pode mandar outro para cumprir seu contrato.
N: não eventualidade - o empregado exerce suas atividades não eventuais, ou seja, todos os dias que deve trabalhar ele está lá, e não de forma eventual.
O: onerosidade - simplesmente veja: a mão de obra do empregado ajuda seu empregador a obter lucro e, por isso, ele recebe alguma contraprestação financeira?
S: subordinação - trata-se de subordinação jurídica, a qual o empregado se submete para o fiel cumprimento de suas atividades
(a): alteridade - a existência de duas pessoas capazes de contratar e sinalagma deste. (Daí deve-se observar a escada ponteana sobre os planos de existência, validade, eficácia).
Por esta observação simples que traz o texto celetista, por óbvio que o skatista profissional deve ter direitos trabalhistas assegurados, mas vamos continuando na análise, para que a visão não seja apenas celetista e traga outros conceitos legais que aprofundem o raciocínio.
Uma vez submetido ao status de esporte, com eventos inclusive subsidiados pelo Min. do Esporte, temos a entender que o skate, assim como todas outras atividades desportivas, estão submetidas ao também art. 3º da Lei nº 9.615/98 alterado pela Lei nº 9.981/2000, que assim descreve o desporto em nosso País, em textual:
Artigo 3º - O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:
I - ...................................................................................
II - ...................................................................................
III - ..................................................................................
Parágrafo Único - O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:
I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de pratica desportiva;
II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de pratica e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. (grifos e destaques nosso)
Identificamos, então, uma lei específica que deixa clara, para nós do mundo jurídico trabalhista, uma regra dos contratos de emprego. Uma exceção que muitos advogados e operadores do direito esquecem: os contratos de emprego de atletas profissionais tem obrigatoriedade de serem escritos.
Desta forma, seja pela CLT, seja pela lei geral de desportos, todo skatista profissional deve ter seus direitos do art. 7º da CRFB assegurados em sua totalidade.
E por que assegurar estes direitos? Oras, em que pese o grande crescimento de skatistas nas categorias Old School, a maciça maioria de profissionais tem uma vida curta como atletas, além de exercerem uma atividade esportiva de repetitivas lesões. Lembro-me de um documentário sobre esporte profissional onde o cerne da questão era: não existe esporte profissional sem dor.
Logo, o recolhimento de INSS proporcionaria aos skatistas o direito de se aposentarem, além de eventual afastamento por acidente de trabalho ou por doença, pois lesões graves ou que afastem os skatistas de suas vida comum são mais comuns do que imaginamos.
Complementar a isso, obviamente, plano médico e seguro, garantindo a integridade do seu profissional e, por que não, dos espetáculos que eles proporcionam a grandes emissoras de televisão ou webcasting?
Da mesma forma o FGTS, que permitiria ao skatista sobreviver entre um contrato e outro, impedindo rescisões arbitrárias de contratos, além da figura do seguro-desemprego, assegurando ao mesmo um período para procurar outro "patrocinio", digo, patrão.
Poderíamos ainda falar sobre direito de imagem, epi's, etc etc... pois a frase de Franklin, repetida por todos diretores de televisão ainda é perfeita: "tempo é dinheiro".  Na medida que grandes eventos são transmitidos por grandes emissoras, a figura do direito de imagem deve ser remunerada, pois o custo de 30 segundos de propaganda entre uma volta e outra do skatista custa muito caro para ter prêmios pequenos de menos de R$ 10K, mas isso vem em um novo post para frente.
Skatista profissional é atleta profissional, precisa ser adequado ao que a lei prevê. Fato e feito.
Que o skate gosta de se manter no underground e como um lifestyle isso é óbvio, mas na medida em que a expressão "profissional" se aplica ao skatista, direitos e obrigações surgem para empregado e empregador.
Tornar-se profissional exige muito mais do que uma simples declaração de seus patrocinadores, deve-se exigir que um advogado seja envolvido, assegurando que o contrato seja claro e todos trâmites legais sejam observados, tais como legitimidade, possibilidade e validade do mesmo, aplicação da Escada Ponteana em sua totalidade.
E como isso pode vir a tona? Em um futuro, não muito distante, tenho a certeza que alguns skatistas ou seus representantes (caso estes sejam incapazes ou se tornarem incapazes por um acidente sem capacete) buscarem a solução judicial destes problemas, onde, certamente, será reconhecida a fraudulenta relação de emprego e garantidos todos direitos decorrentes deste contrato. 
E já mando uma importante recomendação aos operadores do direito e aos skatistas: busquem suas indenizações na Justiça do Trabalho. Comecem a usar a ferramenta certa!!!
É isso!!! Boas sessions!
  
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Skate sempre for fun!
Usem capacete!
Consultem sempre um advogado!


Pesquisem também : 

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- Supersubordinação (Jorge Souto Maior)

- Freeday Shoes Carteira Profissional

- Vida sobre Rodas (filme)
 (imperdível)
- Assistam: http://youtu.be/CTeXKHkNqgk

Sobre o autor: Alexandre A. Costa é amigo, advogado, professor, presidente do TJD da Confederação Brasileira de Skate, formado em Ciências Jurídicas e Sociais, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Master of Business Administration em Direito Empresarial, organizador de eventos de skate e skatista desde 1981


Para citar o autor: - Costa, A. A.


Alexandre Alves Costa - Alexandre Birds