DIREITOS TRABALHISTAS, CÍVEIS E ESPORTIVOS DE ATLETAS PROFISSIONAIS DE ESPORTES DE AÇÃO NO BRASIL - POR QUE CONTRATÁ-LOS FORMALMENTE?
Original publicado em: Artigo LinkedIn
Durante muito tempo os esportes de ação foram considerados um caminho marginal pelo qual os jovens se aventuravam na tentativa de chocar a sociedade e confrontarem os padrões e a cultura enraizada nas instituições.
Com o passar dos anos, esportes praticados por jovens de cabelos compridos e cheios de tatuagens tornaram-se um grande meio de divulgação e admiração da sociedade, que passou a observa-los de forma menos crítica e mais próxima.
Atividades como skateboarding, surfboarding, bmx (bicicletas de “cross”), parapente, paraquedismo, voo livre etc. passaram a ser exibidos em televisão aberta, sob a assinatura de grandes marcas e a sociedade passou a descobrir que os praticantes daquelas atividades que eram apenas “hobby” para alguns, tornaram-se atividades altamente remuneradas, com nomes e sobrenomes que estampam revistas, jornais e até as capas de cadernos de adolescentes.
O público gigantesco e a notoriedade da publicidade e emoção dos eventos trouxe aos praticantes dos esportes de ação o “sonho olímpico”, que terá seu grande debut nos jogos olímpicos de Tóquio em 2020, no Japão.
Desta forma, inicia-se a apreciação dessas atividades e seus efeitos frente ao Direito do Trabalho e Direito Esportivo, posto que há uma ampla lacuna na definição dos contratos, dos atletas e de seus direitos, já que a legislação brasileira tem uma origem futebolística acentuada, mas que eu sua interpretação torna-se plenamente aplicável aos praticantes das atividades de aventura, conforme verificaremos nos parágrafos seguintes.
Alguns esportistas recebem valores homéricos em suas contas, enquanto outros percebem valores tão irrisórios que quase não pagam a folha de cheque gasta para a emissão do pagamento, mas no Brasil e no mundo vemos profissionais de esportes de aventura (extreme sports) com percepção de rendas entre R$ 150 reais até quase R$ 50.000,00 por mês, sem anotação em CTPS, sem contratos de trabalho e sem muitos dos direitos assegurados por toda legislação brasileira sobre o tema.
Para a verificação da possibilidade ou não de adequação dos contratos ao que entendemos ser uma relação de emprego e não de trabalho, utilizaremos de um jogo mnemônico, usado por um jurista paulista, amigo e parceiro de classes, com base no que dispõe o art. 3º da CLT, vejamos então a “PEPENOS(a)”:
PE: pessoa física - o empregado é obrigatoriamente pessoa física
PE: pessoalidade - o empregado tem relação "intuitu personae", ou seja, uma vez contratado o esportista X, este não pode mandar outro para cumprir seu contrato.
N: não eventualidade - o empregado exerce suas atividades não eventuais, ou seja, todos os dias que deve trabalhar ele está lá, e não de forma eventual.
O: onerosidade - simplesmente veja: a mão de obra do empregado ajuda seu empregador a obter lucro e, por isso, ele recebe alguma contraprestação financeira
S: subordinação - trata-se de subordinação jurídica, a qual o empregado se submete para o fiel cumprimento de suas atividades
(a): alteridade - a existência de duas pessoas capazes de contratar e sinalágma deste. (Daí, deve-se observar a escada ponteana sobre os planos de existência, validade, eficácia, que sustentei por muitos anos perante os E. Tribunais do Trabalho da 2a. e 15a. Região, no Estado de São Paulo).
Por esta observação simples que traz o texto celetista, por óbvio que o atleta de esportes de aventura ou ação é atleta profissional e deve ter direitos trabalhistas assegurados, mas seguiremos na análise, para que a visão não seja apenas celetista e traga outros conceitos legais que aprofundem o raciocínio e adequação do tema aos previstos em nossa legislação laboral e esportiva.
Uma vez submetido ao status de esporte, alguns até olímpicos (como skateboarding, surfboarding e bmx), com eventos inclusive subsidiados pelo Min. do Esporte, temos a entender que o skate, assim como todas outras atividades desportivas, estão submetidas ao também art. 3º da Lei nº 9.615/98 alterado pela Lei nº 9.981/2000, que assim descreve o desporto em nosso País, em textual:
Artigo 3º - O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:
I - ...................................................................................
II - ...................................................................................
III - ..................................................................................
Parágrafo Único - O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:
I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de pratica desportiva;
II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de pratica e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. (grifos e destaques nosso)
Identificamos, então, uma lei específica que deixa clara, para nós do mundo jurídico trabalhista e esportivo, uma regra especifica dos contratos de emprego de atletas profissionais. Uma exceção que muitos advogados e operadores do direito esquecem: os contratos de emprego de atletas profissionais tem obrigatoriedade de serem escritos.
Desta forma, seja pela CLT, seja pela lei geral de desportos, todo atleta profissional de esporte de ação deve ter seus direitos do art. 7º da CRFB/88 assegurados em sua totalidade.
E por que assegurar estes direitos? Oras, em que pese o grande crescimento de atletas profissionais de esportes de ação nas categorias Old School (acima de 40 anos), a maciça maioria de profissionais tem uma vida curta como atletas, além de exercerem uma atividade esportiva de repetitivas lesões.
Aliás, quanto a isso, lembro-me de um documentário sobre esporte profissional onde o cerne da questão era: não existe esporte profissional sem dor. Fato!
Logo, a percepção de direitos constitucionais aos atletas e o recolhimento de INSS proporcionaria aos praticantes dos esportes de ação o direito de se aposentarem, além de eventual afastamento por acidente de trabalho ou por doença, pois lesões graves ou que afastem os mesmos de suas atividades normais são mais comuns do que imaginamos.
Da mesma forma, não podemos nos esquecer de mencionar o tão discutido FGTS, que permitiria ao atleta sobreviver entre um contrato e outro, impedindo rescisões arbitrárias dos mesmos, além da consequente figura do seguro-desemprego, assegurando ao mesmo um período para procurar outro "patrocínio", que podemos dizer “patrão”.
Complementar a isso, obviamente, plano médico e seguro, garantindo a integridade física e mental do seu profissional, que por muitas vezes é deixada de lado pelas empresas patrocinadoras (leia-se patrões). Importante ressaltar que existem definições de patrocínio em dicionários não jurídicos e até em sites esportivos pela internet, com a menção, inclusive, do mecenato que é a oferta de apoio/patrocínio sem contraprestação ou interesse pela outra parte como, por exemplo, oferta de valores a projetos ecológicos apenas por amor à causa. Que impõe destacarmos: isso não tem nenhuma relação com o texto e tampouco apelo jurídico-social ao tema ora apresentado, até pela figura dos elementos sócio-jurídicos-legais que constituem a relação de emprego, como vimos acima.
E ao pensarmos nos grandes espetáculos que os esportes de ação proporcionam a grandes emissoras de televisão ou webcasting, através de eventos acompanhados por milhares de pessoas em todo o mundo, com “vídeo monetização” de canais da rede ou até mesmo em televisão aberta ou por assinatura?
SIM, atletas de esporte profissionais de ação tem sua imagem explorada em transmissões, porém o mesmo não percebe nenhum valor, vez que os contratos firmados para exibição do evento se dão entre emissora e empresa organizadora do evento ou patrocinadora, ferindo de forma incisiva a legislação trabalhista e esportiva, como já decidido em no processo 00321.2002.01202003, que tramitou perante a 12a. Vara do Trabalho da capital paulista.
Na medida que grandes eventos são transmitidos por grandes emissoras ou por canais monetizados da rede mundial de computadores, a figura do direito de imagem deve ser remunerada nos termos da legislação especifica, lembrando que em um quadro comparativo o direito de imagem trata-se de um anexo de natureza civil ao contrato de emprego. Para tanto, faz-se necessário um pequeno quadro comparativo, de acordo com a legislação vigente, para que possamos explorar os temas:
Não obstante a essa utilização de imagem dos atletas profissionais de esportes de ação em transmissões via televisão e webcasting, com base no que dispõe o art. 5o. Inciso XXVIII, os participantes tem direito ao que a legislação definiu como “ Direito de Arena”, ou seja, o atleta é o ator principal do espetáculo esportivo, que é visto e transmitido por meios audiovisuais, desta forma, imperativo se faz a observação do texto constitucional acima tipificado, que protege a participação individual em obras coletivas e a reprodução da imagem e voz humanas nas atividades esportivas.
Textualmente dizendo, diferentemente estipulado por convenção coletiva de trabalho, 5% da receita arrecadada da exploração dos direitos de transmissão – broadcasting – do evento desportivo devem ser repassados ao sindicato (ou instituição representante da classe dos atletas) para serem distribuídos, em partes iguais aos atletas daquele espetáculo.
A menção da existência do Direito de Arena aos atletas de esportes de ação, impõe a apresentação de novo quadro comparativo, vez que as instituições do direito de imagem e direito de arena são repetidamente confundidas pelos operadores do Direito e consequentemente muitos atletas tem prejuízos
Superadas as discussões sobre aplicabilidade ou não de direitos de arena e direito de imagem, resta inquestionável e inegável a aplicabilidade dos direitos trabalhistas a atletas profissionais de esportes de ação, tornando-se imperioso mencionar que a extinção dos contratos de atletas profissionais também devem observar legislação especifica.
O fim de eventual vinculo desportivo antes do termo do contrato impõe o pagamento de clausula indenizatória desportiva ou clausula compensatória desportiva que, devida a especificidade do contrato de atleta, deve estar estipulada no contrato de trabalho.
De acordo com a Lei Pelé, o vinculo desportivo dissolve-se com:
- a extinção do contrato de trabalho;
- pagamento da clausula indenizatória desportiva ou da clausula compensatória desportiva, conforme art. 28 da referida lei.
- rescisão indireta;
- dispensa imotivada do atleta;
- inadimplemento salarial – total ou parcial – por período igual ou superior a três meses , conforme art. 31 da referida lei.
Com base nas observações supra, alguns juristas entenderam por ser aplicável o principio da isonomia, obrigando o atleta profissional a também pagar a cláusula penal ao empregador, na hipótese em que o mesmo dê causa à rescisão do contrato de trabalho, observando os limites impostos pelo art. 479 da CLT, ou seja, a indenização devera ser o valor equivalente à metade da remuneração que faria jus até o fim do contrato. Tal entendimento foi sedimentado com a publicação da Lei 12.395/11, que decidiu por indicar distintas clausulas, de indenização e de compensação para cada parte contratante.
Portanto, não ha como mencionar atletas profissionais de esportes de ação, sem a correta adequação dos mesmos às imposições legais do mundo jurídico, não apenas trabalhistas ou cíveis, mas com um importante viés do Direito Esportivo, que cresce e se fortalece a cada dia.
A referida adequação se dá em escala mundial a medida que o número de praticantes destes esportes cresce a cada dia e a profissionalização e uso da imagem pelos empresários se torna imensurável. A notoriedade e a grandiosidade dos eventos de esportes de ação está em todas as emissoras, canais de vídeos da rede, mídias sociais e isso trouxe para o mundo underground, que os atletas viviam, as grandes marcas esportivas (calçados e roupas), de bebidas, de equipamentos eletrônicos, de tecnologia, de automóveis e obviamente apresentou ao mundo a junção de emoção, esporte, adrenalina e ação.
Seguir as regras jurídicas trará benefícios não apenas aos atletas, mas também aos empregadores, ora (ainda) chamados de patrocinadores, que poderão ver suas marcas vinculadas a relações juridicamente perfeitas e com a correta distribuição de valores morais e financeiros nas relações.
Sobre o autor: ALEXANDRE A. COSTA é amigo, advogado inscrito na OAB/SP, professor, palestrante, Presidente do TJD da Confederação Brasileira de Skate (CBSK), formado em Ciências Jurídicas e Sociais, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Especialista em Direito Esportivo e comparado, Master of Business Administration em Direito Empresarial, membro da Brazil California Chamber of Commerce, organizador de eventos de skateboarding no Brasil e skatista desde 1981.
Para citar o autor: - Costa, A. A.
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